LIVROS
Mocambo: Antropologia e História do Processo de Formação Quilombola
Autor: José Maurício Paiva Andion Arrúti
ISBN: 85-7460-270-1
Editora: EDUSC
Edição: 2006
Número de páginas: 370
Sinopse: Tudo começou com um laudo de identificação étnica da comunidade do Mocambo: dois vilarejos situados no município sergipano de Porto da Folha, na região do baixo São Francisco, onde se reuniam 150 pessoas, em processo de litígio desde 1992. José Maurício Arruti seria transformado, então, de antropólogo profissional e interessado em ouvinte dileto de histórias. Mais ainda, acompanharia de perto, e durante cinco anos de uma "etnografia nômade", a constituição de sujeitos políticos diferenciados, na igual medida em que o termo quilombola ganharia novos sentidos e direitos; sobretudo a partir dos debates para a regulamentação do artigo constitucional que reconhece aos remanescentes das comunidades de quilombo a propriedade definitiva das terras que estivessem ocupando.
Mas o lugar do pesquisador não seria fácil ou evidente. Arruti descreve com rigor e rara sensibilidade tais processos de reconhecimento, ou os desacordos que se estabelecem entre história e memória. Os modos de recordar não se mostram óbvios, e, assim como dizia Walter Benjamin, o exercício da memória surge como "um passado repleto de agoras". A volta ao passado implicava, neste caso, a seleção de determinados supostos, na mesma proporção em que o discurso étnico virava laço narrativo para uma política de deslocamentos continuados. Tratava-se de deslocar a noção de cultura para etnia, e reintroduzir o discurso da "consciência negra" no contexto da exacerbação da etnicidade.
O caso do Mocambo é, dessa forma, uma arena privilegiada para refletir acerca do poder simbólico de nomeação depositado no Estado, assim como para entender os novos lugares do discurso acadêmico nas disputas pelo poder de definição do mundo social. O próprio território, ainda que tramado sobre um suporte de constrangimentos materiais, revela sua dimensão simbólica e, nesse sentido, imaterial. Aí estão as relações entre agentes, agências, expectativas, memória e natureza.
Mocambo apresenta, dessa maneira, uma rara e feliz combinação entre etnografia cuidadosa, análise antropológica acurada e uma recuperação histórica minuciosa. O resultado é uma obra inovadora que não só repensa as fronteiras entre história e antropologia como enfrenta a identidade -essa voga atual - não como ponto de chegada (uma tomada de consciência das origens), mas como chave de partida. Aqui se abre, e não se fecha, uma longa negociação, de alguma maneira relativa aos dilemas da instituição da memória.
Lilia Moritz Schwarcz