LIVROS
Ditadura em imagem e som
ISBN: 978-85-393-0461-5
Autora: Caroline Gomes Leme
Editoria: ANPOCS e Editora Unesp
Edição: 2013
Número de páginas: 321
Descrição: A interpretação da expressão artística é sempre um grande desafio para a Sociologia e para a História. É fácil resvalar para o óbvio ou para a perda do específico artístico e tomar a expressão simbólica como a própria realidade, a famosa e criticada atitude da "arte como exemplo': Encontrar as conexões entre o terreno social e as expressões culturais envolve a capacidade de indagar as próprias obras para descobrir, na confluência entre externo e interno, o ponto de vista de um sujeito histórico que, sob pretextos diversos, toma para si atarefa de dizer algo sobre ser e estar no mundo. E é este desafio que Caroline Gomes Leme realiza com maestria nesta obra ao observar como se constroem a representação e a memória do período ditatorial no Brasil. Floração rara para uma dissertação de mestrado, este livro apresenta com extraordinária competência um levantamento exaustivo dos filmes realizados entre 1979 e 2009 que tiveram a ditadura militar como tema, problema, pano de fundo ou contexto histórico. Sua análise primorosa desvenda o sentido dos discursos sem perder de vista as particularidades estéticas, tomando a assertiva de Pierre Sorlin como baliza metodológica: não há receita, cada investigação deve elaborar seus próprios instrumentos de análise. Mas o leitor não há de esperar uma abordagem eclética, tão em voga nos últimos anos, pois a autora fundamenta muito claramente sua leitura em uma perspectiva crítica, mostrando que as narrativas cinematográficas fabricam- se no complexo terreno das disputas pela hegemonia da verdade histórica. Contrariar ou corroborar o discurso dominante, ou ainda construir o contra discurso, exige a consciência de que a poética é política, e é com esse enfoque que a autora observa tais obras. Escolhendo analisar os filmes lançados já no contexto da abertura política, após a revogação do Al-5, tem ainda o mérito de resgatar obras quase ignoradas, trazendo à baila algo que parece esvanecer- se na memória recente: como se vive sob um clima de violência política, tendo censura, perseguição, prisão, tortura e morte na ordem do dia. Não lhe escapam, inclusive, os mecanismos da linguagem cifrada e provocativa dos agentes culturais na tentativa de driblar os agentes da repressão, espécie de idioma que vigorou durante os anos de chumbo e reverbera em algumas obras, assim como a construção de lugares comuns sobre a ditadura e a repressão, tais como vemos em filmes mais recentes, pautados em certo naturalismo cinematográfico. Sem dúvida, é imensa a responsabilidade de ler a história através da memória artística. Mas Caroline Gomes Leme consegue realizar esse feito e ainda mostrar que nosso cinema, por precário que fosse ou seja, é fonte fundamental para traduzir aquilo que somos. Uma prerrogativa das obras de cultura que, aliás, são cada vez mais reclamadas para decifrar nossos labirintos sociais, como diria Octavio Ianni, particularmente neste tempo em que o audiovisual é uma dimensão fundamental da sociedade contemporânea, exigindo um olhar crítico cada vez mais arguto para sua decodificação. Neste sentido, Ditadura em imagem e som: trinta anos de produções cinematográficas sobre o regime militar brasileiro é um trabalho exemplar que, como poucos, consegue discutir a posição de atores e sujeitos do discurso, e no discurso, a respeito de uma das páginas mais trágicas de nossa história recente.